Aprendendo a viver
Tendo como tema central a vida após a morte, “Nosso Lar”, de Wagner de Assis, amplia a expressão da doutrina espírita na existência de um plano superior e na visão da vida na Terra como apenas uma passagem
“NOSSO LAR”, superprodução do cinema nacional: filme gera um pensar sobre o homem e sua busca por respostas no universo
Desde os prístinos tempos, olhar para o céu infinito, seja para a contemplação da claridade do dia na singularidade do tempo em suas estações, seja para a apreciação da beleza noturna da Via Láctea com seus bilhões de mundos e estrelas brilhando fora de nosso alcance, leva o homem a questionar a sua origem. As duas inquietantes indagações: de onde veio? O que ele é?
Em 13,7 bilhões de anos de existência do universo – que continua em expansão não se sabe até onde -, a vida humana surgiu há 3,7 bilhões de anos. É esse o tempo estimado no qual olhar para o céu gera um livro de perguntas. A evolução da vida na Terra proposta por Darwin não foi suficiente para oferecer as respostas exigidas.
A fim de obtê-las, o homem passou a construir engenhocas que escutam e vasculham o espaço. Placas com a sua forma de ser e o endereço onde mora vagam pelo infinito. Tanto esforço para a obtenção, até agora, de uma reveladora informação: tudo no universo – incluindo o inquieto ser humano – é feito com as mesmas matérias. Portanto, o homem é filho das estrelas.
Como humanidade, ele evoluiu em pouco mais de dois mil anos sempre no sentido da construção, inventando de tudo, criando até formas de expressões para falar e pensar e o seu resultado maior, a edificação de uma civilização. Hoje, essa civilização ainda busca as mesmas respostas, enquanto se debate entre o sentido materialista que nela predomina e o encontro da espiritualidade que a inquieta.
Como em tempos do passado, continua o embate entre acreditar e não acreditar na existência de um plano ou ser superior que dê sentido e resposta às inquietações existenciais. A concepção materialista imposta à história por Marx influencia. Hoje predomina a certeza de que tudo – incluindo nós mesmos – é obra do puro acaso. Não importam as consequências das ações, já que tudo termina com a morte e, portanto, nada há ser cobrado e muito menos a ser pago. Não há contas a ajustar.
OTHON BASTOS e Renato Prieto, em cena no filme que vem liderando nas bilheterias: 580 mil espectadores no fim de semana
Espiritualidade
Mas ainda há quem olhe o céu e o entorno de si mesmo e veja ou sinta um sentido de espiritualidade em tudo. Esse sentido, afirmam historiadores e pesquisadores, guiou o homem na construção da tal civilização. Ao longo dela, entre a barbárie e a razão, profecias se estabeleceram indicando ser o atual um tempo de profundas mudanças cósmicas, as quais, por sua vez, vão mudar as coisas aqui também, sinalizando um novo recomeço para a humanidade – e aí, quem sabe?, o homem poderá obter as suas respostas.
Em paralelo a essas condições, três correntes são puxadas: a dos céticos, ostentada pelo zoólogo Richard Dawkins e, desde a semana próxima passada, pelo cientista Richard Hawkins; a da ciência, a qual investiga a possibilidade de o mundo ser uma mera ilusão de realidade; e a do espiritismo, de que há vida após a morte.
E o momento é crucial: a civilização construída como progresso parece ter estagnado com a perda suas referências e valores à frente de um abismo de violência, desigualdade social, guerras, devastação da natureza, luta pelo poder, manipulação financeira e ideológica das religiões, desvalorização do caráter e da honra e, entre outras, a morte da ética. E a pior e mais cruel de todas: a vida como uma banalidade.
Não é nenhuma novidade que, nesse cenário de caos e ausência de sentido para a existência, em que a ciência quanto mais obtém informações mais confusa fica, esteja ocorrendo uma atenção maior das pessoas para uma doutrina: o espiritismo. Concomitante a essa chegada, ocorre um verdadeiro “boom”, em todo o planeta, da busca pela espiritualidade. Um combate ao materialismo.
Pegando o bonde da história, o cinema também expressa essa espiritualidade que se exala. Há uma série de filmes, nacionais e estrangeiros, tratando do tema. Até Clint Eastwood ingressou na temática. Coincidência ou coisa orquestrada?
Depois do pioneiro “Bezerra de Meneses – o diário de um espírito” (2008), de Glauber Filho e Joe Pimentel, e de “Chico Xavier” (2010), de Daniel Filho, “Nosso Lar” chega para complementar um painel revelador da doutrina espírita.
Lançado originalmente em 1944, “Nosso Lar” foi o primeiro dos 16 livros do espírito André Luiz psicografados pelo médium Chico Xavier (1910-2002). Numa adaptação fiel, o filme expressa as revelações do espírito André Luiz.
O homem é um espírito; a vida não acaba após a morte; a Terra é um mero lugar de sua passagem para a sua evolução, dentro de sucessivas reencarnações (uma concessão divina de oportunidades para a reparação dos erros). Após a libertação do corpo físico, o espírito mantém a consciência da existência e segue para um mundo espiritual no qual se ressaltam o Umbral – para onde vão aqueles que não seguiram a sua missão – e as cidades espirituais conhecidas como “Nosso Lar” – onde os espíritos desencarnados são abrigados e ensinados no reaprendizado da vida e do trabalhar numa sociedade evoluída – da qual a sociedade da Terra é apenas um reflexo. Ciência e Platão em um só plano.
Rhaiane Segreto, internauta, deixou no blog de cinema do Diário do Nordeste um comentário pertinente sobre “Nosso Lar”: “A visão do passado, presente e futuro é marcante”. O filme é isso mesmo: se situa no processo da existência, da condição humana e do processo histórico. E, assim como a sua doutrina espírita, deixa claro que o processo da existência não é materialista, conforme proposto por Marx.
O grande elemento nesse filme dramaticamente eficiente e emocionante é a transformação vivida pelos personagens. Na verdade, “Nosso Lar” trata do aprendizado da vida no plano espiritual. A herança dessa condição vai conduzir a formação moral, ética e progressiva do espírito quando encarnado. A questão de nem sempre isso ocorrer está explicitada ao longo da narrativa.
“Nosso Lar” pode promover a reflexão nos que desconhecem as premissas da doutrina espírita, como também pode ser questionado pelos céticos. Na verdade, o filme, assim como o livro, apenas faz uma exposição da construção da espiritualidade e de seu sentido na existência do ser humano.
Dentro dessa concepção, o homem não é um desgarrado do universo que apareceu por aqui, solitário ou em bando, por obra do acaso. “Nosso Lar” sinaliza um sentido maior nesse ser inquieto perante os mistérios que cercam a sua existência e que o lançam à grandiosa construção de uma civilização moldada na história e no progresso – espiritual, não materialista.
“Nosso Lar” gera um pensar sobre o homem e a sua busca por respostas no universo. E joga a ficha: talvez não seja preciso tanto. Refletindo, poderá encontrá-las em dentro de si mesmo.
PEDRO MARTINS FREIRE
CRÍTICO DE CINEMA
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=846848