A superprodução Chico Xavier estreia em 2 de abril, dia em que o líder espírita faria 100 anos

Ricardo Daehn

Publicação: 26/03/2010 07:00

Atualização: 26/03/2010
08:49

Paulínia (SP) — “Não podia fazer esse
filme sem entrar na cabeça do Chico Xavier. Foi o que fiz, da maneira
mais explícita possível, ficando até envergonhado. Tem uma cena, que
estou dentro da cabeça dele, entrando pelo ouvido, para ver o que ele
via e revelar o que sentia. Não queria fazer fantasminha, com
personagens iluminados por uma luz divina”. As palavras do diretor
Daniel Filho dão contorno ao ateu — “sem ter isso como um conceito
radical” — à frente do filme Chico Xavier, com lançamento coincidente em
2 de abril, que marca o centenário do líder espírita (morto em 2002).

Cenas do longa que conta a história de Chico Xavier: atores, como 
Tony Ramos, se comoveram durante as filmagens - (Ique Esteves/Divulgação
 )
Cenas do longa que conta a história de Chico
Xavier: atores, como Tony Ramos, se comoveram durante as filmagens


Com
relevo ecumênico, o filme não se concentra em tópicos religiosos
expressos. Parceiro no filme, Rodrigo Saturnino (da coprodutora Sony
Pictures) conta que, mesmo com a preocupação dos amigos espíritas de o
longa se ater à mensagem de Chico, há um grupo de católicos interessados
no longa. “Tentei, mas não consegui lembrar de outro filme que tivesse
três pais-nossos e um credo. Nem no (filme) Maria, mãe do filho de Deus
ou no Irmãos de fé aconteceu”, relembra Saturnino. Enquanto o roteirista
Marcos Bernstein (de Central do Brasil) associa o médium à figura de
Gandhi, “apesar das trajetórias diferentes”, Marcel Souto Maior, autor
de As vidas de Chico Xavier (a base para o filme), sintetiza as
qualidades do protagonista — “Ele viveu pelos sentidos, raros e
poderosos, de missão, de doação integral e de aceitação imensas”.

Mesmo
depois de seis anos, quando recebeu o best-seller com uma dedicatória e
o pedido que abraçasse o protagonista nas telas, Nelson Xavier ainda
reflete o aprofundado contato com o personagem. “Fiquei deslumbrado com
aquele ser que eu tinha ignorado durante toda a vida. E fiquei com muita
vontade de fazer o papel, uma coisa que nunca tinha acontecido na minha
carreira. As emoções que eu senti, ao abrir o livro, se ampliaram e se
aprofundaram durante o tempo de busca da personagem. Parece que uma
cachoeira de emoção foi me tomando, durante todo o trabalho. É algo que
ultrapassa o campo profissional”, explica.

Longe de esfera
racional, o escritor Marcel Souto Maior viu o “fenômeno das lágrimas
inexplicáveis”, numa expressão dele, repetido com o diretor Daniel
Filho, 14 anos depois da primeira viagem para Uberaba (MG), quando
buscou subsídios para o livro. “Era um repórter cético com uma história
forte para ser contada, de modo jornalístico. Chegando lá, descobri que
havia seis meses que Chico não ia ao centro espírita, debilitado por
doenças. Na Casa da Prece, quando ele apareceu, eu pensava em questões
práticas, de como me apresentar e de como conseguir autorização para o
livro. Sem nenhuma emoção em especial, senti gotas, e gotas, caindo na
camisa. Demorei a acreditar que eram lágrimas que jorravam dos meus
olhos, sem eu ter soluços ou consciência”, relembra.

Com mais de
25 anos de “autonomia de voo” profissional — ou seja, com o poder de
selecionar as obras das quais participa —, Daniel Filho conta que foi
escolhido (sem denotação religiosa) para conduzir a fita, orçada em R$
12 milhões e que chegará às telas em 350 cópias. Reticente, a princípio,
o diretor foi encorajado pela longa amizade com Augusto César Vanucci
(morto em 1992), que liderou a campanha para a indicação de Chico Xavier
para o Prêmio Nobel da Paz, em 1980. Se a perspectiva é de um excelente
retorno nas bilheterias, o coprodutor Rodrigo Saturnino prefere a
cautela. “Estimativas a gente faz depois que o filme está em cartaz. É
que, se você espera 5 milhões e alcança 2,5 milhões de público, tem um
enorme sucesso nas mãos e um gosto de fracasso na boca”, observa.

Sem
nenhum condicionamento anterior à realização, a Casa da Prece — um
ponto de conforto para quem procurou Chico Xavier, em Uberaba,
especialmente nos atendimentos concentrados aos sábados — receberá 10%
dos lucros alcançados pelo filme. “Acho que os assuntos (glamour do
cinema e a caridade de Chico) não devem ser misturados: isto aqui é
indústria, isso é cinema que conta com muito investimento. Devo
reconhecer, porém, o gesto de extrema generosidade de Daniel, como
produtor, de ceder um percentual dessa ordem para uma instituição que
vai continuar fazendo suas ações sociais”, avalia o diretor Bruno
Wainer, da distribuidora Downtown Filmes.

» Íntegra da entrevista com Nelson Xavier

Como foi o processo de preparação do personagem?Desde que eu li o
livro, eu fui tomado por uma comoção com a vida dele, que não me
abandonou. Isso foi há seis anos. Quando o Daniel Filho me ligou dizendo
que eu ia fazê-lo, eu chorei. Fiquei chorando. Não sei explicar: é uma
emoção que trava, que paralisa. Uma espécie de posse que ele teve de
mim, uma espécie de tomada, de invasão. De modo a me emocionar
profundamente, para além da busca do personagem, além da construção
dele. Isso, além dos ensaios, que foram bastante longos.

Quais
foram os combustíveis para esta imersão?

Essa emoção era tão
profunda, tão misturada ao prazer de ser feliz. Porque o Chico era uma
pessoa profundamente alegre. Se você prestar atenção, você vê que a
alegria é uma coisa presente em todos os líderes espirituais. Todos os
gurus indianos são alegres. A alegria está intimamente ligada à
santidade. Porque projeta a plenitude. O Chico tinha muito bom humor.
Vivia contando piada. Eu falo da emoção que é alegre, apesar do choro.
Apesar do choro constante, presente, que é uma emoção tão grande que eu
choro. Tenho a Lua em áries, então a emoção me leva às lágrimas com
facilidade. Eu choro de felicidade.

Qual é a maior possibilidade
artística dentro de uma cinebiografia?

Eu não tentei imitá-lo. Eu
tentei interpretá-lo. Igualar é difícil, nem adianta entrar nessa. Mas,
essa emoção. Mas, essa emoção que eu tô dizendo que me acompanhou, ela
mesma foi aproximando, ela mesma foi me empurrando para uma coisa mais
próxima dele. E ela também foi levando de roldão, como que assumindo a
autenticidade da interpretação. É como se ela me bastasse como
identidade do Chico. Então eu fiz o mais possível que eu pude parecer
com ele. Mas não fiquei doentio com isso. Foi uma busca e entrega, ao
mesmo tempo.

Houve alguma alteração em relação ao antes e ao
depois do filme? O senhor sempre foi sereno?

Tranquilo? O que é a
aparência… (brinca). Talvez a situação e ele tenham me mudado também
isso. Porque eu acho que ele me mudou… mudou sim… No sentido de ter
me lembrado de que o amor precisa ser exercido mais cotidianamente, que a
vida espiritual tem que estar mais presente na minha vida, que o bem,o
amor, a compaixão, a tolerância, a paciência, têm que prevalecer. Nesse
sentido eu acho que eu mudei. Mas não me posso considerar um espírita
porque eu sempre acreditei nesses fenômenos, mas simplesmente não dava
atenção a isso. Quer dizer, eu não passei a acreditar ou reconhecer como
verdadeira essa doutrina agora. Desde criança, eu a conheço, a minha
mãe era espírita. Então, não há novidade. A única novidade nesse terreno
e é uma diferença bem grande é que eu achava que depois do desenlace a,
gente perdia a identidade e se fundia numa totalidade, num campo
unificado, do qual os iogas falam. Ele me convenceu de que a gente
continua com a identidade depois da morte.A gente continua a ser o
“Nelson”, depois.

Qual o grande mérito de Chico Xavier?

Ele
foi uma pessoa que não pregou o amor. Ele encarnou o amor. Encarnou a
entrega. Era feliz, quando sofria por alguma coisa, porque ele sabia
que, sofrendo, ele ia crescer como ser humano. Ser santo. A mãe ensina-o
a aceitar a adversidade e, ao aceitar a adversidade, é que ele se torna
a pessoa especial que foi.Lamber a ferida… A mãe quase que pede que
ele agradeça isso acontecer, para ele poder crescer. Então, essa lição,
atravessando esse percurso que a gente fez para fazer o filme. Tomar
contato com um ser que prega isso… Você não sai incólume a isso. Você
não sai o mesmo. É muito forte. Você saber que uma pessoa dedicou a vida
a isso, acreditando nisso, é muito difícil você continuar sua vida como
se nada tivesse acontecido. Ele me mudou: me tornei mais tolerante,
mais paciente, lembro mais de que o amor existe e precisa ser exercido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *