CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA: O espiritismo e a questão da pena privativa de liberdade no Brasil

CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA: O espiritismo e a questão da pena privativa de liberdade no Brasil

CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA: O espiritismo e a questão da pena privativa de liberdade no Brasil – Um dos problemas que habitualmente aflige as pessoas, na sua condição de habitantes de um mundo de provas e expiações, como é o caso do planeta Terra, é a constante e desenfreada ocorrência de crimes, os mais diversos, como homicídios, roubos, sequestros, violências sexuais, tráfico de drogas, fraudes e muitos outros; ocorrências que deram origem às penas corporais, dentre elas a de prisão, e que, com o passar do tempo, evoluíram para as atuais penitenciárias e os estabelecimentos socioeducativos,
comumente lotados de seres humanos que, levados pelas circunstâncias pessoais, sociais e de meio ambiente, acabaram cedendo à tentação e se desviaram para a senda da criminalidade e da violência.

O Jornal Espírita Auta de Souza entrevistou o Sr. José Carlos Fiorido, que atualmente é o vice-presidente do Conselho Estadual sobre Drogas no Estado do Espírito Santo e coordenador do Grupo de Visita aos
Presídios. José Fiorido possui vasto conhecimento sobre a realidade das prisões, resultado de sua atuação, durante 30 anos, como policial militar, e dos trabalhos que vem realizando como espírita, há 20 anos, de visitas aos presos em cadeias do Estado do Espírito Santo, experiência que resultou no
seu convite para colaborar na construção da Cartilha Nacional que orienta a visita espírita ao Sistema Socioeducativo e ao Sistema Penitenciário.

Leia, aqui, a entrevista completa:


JEAS: O senhor pode apresentar um panorama atual, ainda que aproximado, sobre a questão prisional no Brasil? (número de presos, crimes mais cometidos, etc)


Fiorido: Dados de junho, publicados em setembro de 2023, disponíveis nas redes sociais, indicam que tínhamos 644.794 pessoas confinadas em celas, portanto, em presídios; 190.000 em prisão domiciliar e
outros 120.000 com tornozeleiras eletrônicas. Na soma, temos aí mais de 950.000 pessoas sob a tutela da justiça criminal. Neste universo, grande contingente é de presos provisórios, isto é, que ainda não foram julgados! Situamo-nos entre os 7 países mais populosos do mundo, e temos a terceira maior população carcerária do planeta. No Brasil, os crimes mais comuns consistem nos chamados crimes contra o patrimônio, o que engloba o roubo, o latrocínio (roubo seguido de morte), o furto e os arrombamentos.
Dentre os crimes contra a vida, temos o homicídio e as tentativas de homicídio, com destaque para o feminicídio, que é a prática do homicídio contra mulher, motivado pela violência de gênero. Esses são os delitos responsáveis pela maior contingência da população carcerária de nosso país.

JEAS: O que dizem as ciências oficiais e os estudiosos sobre as causas do crime?

Fiorido: Estudiosos associam estas práticas criminosas à questão da desigualdade social, falta de emprego e oportunidades econômicas limitadas. Raramente os estudiosos vinculados a interesses políticos associam as causas da criminalidade à questão da educação. A pobreza e a falta de oportunidades podem, sem dúvida, ter efeito criminógeno, isto é, levar à prática de crimes, mas tais circunstâncias não são determinantes. Há fatores muito mais marcantes e decisivos, como é o caso da falta de uma base moral na família.

JEAS: E o que o Espiritismo nos fala sobre as causas do crime?


Fiorido: É preciso lembrar que quem faz a escolha pelo caminho do vício e do crime, no exercício do livre arbítrio, é o Espírito e, conforme o seu grau evolutivo, nasça onde nascer ou sofra o que sofrer, jamais cairá nas malhas do crime, se não o desejar. Por isso, o elemento educação – não instrução, mas educação, aquela que leva à formação de novos e melhores hábitos – é o elemento básico. Prevenir pela educação, seja na família, na igreja ou centro espírita, e na escola, e acompanhar os adolescentes é
fundamental, visando à formação da pessoa de bem.

JEAS: Não são poucos os criminologistas que costumam afirmar que alguns criminosos são incorrigíveis (ou irrecuperáveis), o que levaria à crença no determinismo para o crime. O Espiritismo concorda com essa afirmação?

Fiorido: O Espiritismo analisa a questão de outro ponto de vista. Seus ensinos apontam para a existência do Espírito imortal, ser inteligente, embora criado simples e ignorante. O Espírito é o ser pensante, que
preexiste e sobrevive a tudo, e foi criado perfectível. Os chamados presidiários, dentre eles, os criminosos tidos por irrecuperáveis, são apenas Espíritos que estão nos primeiros estágios da evolução e, portanto, ainda muito atrasados. Trazem de encarnações anteriores velhos e deploráveis hábitos que a reencarnação se encarregará de corrigir. Não há, de acordo com a visão espírita, Espíritos irrecuperáveis. Há Espíritos que ainda não conseguem entender o sentido da vida, sua origem, sua natureza e seu
destino e que, por isso, são ignorantes – mais ignorantes do que maus –, o que os leva a se comportarem de forma criminosa.

JEAS: Como o Espírito vai deixar o caminho do crime?

Fiorido: Pela via das reencarnações, associadas à justiça e misericórdia divinas e conjugadas à lei de causa e efeito, todos os Espíritos se aperfeiçoarão e chegarão, um dia, ao destino que está reservado a todos
nós. Deus quer a morte do pecado e não a do pecador, diz-nos o profeta Ezequiel (cap. 33:11). Por meio da expiação e da reparação, que ocorrem mais facilmente quando o Espírito está encarnado, todos se recuperam e evoluem, com o passar do tempo.

JEAS: Qual é o principal objetivo do Espiritismo para a prevenção e a erradicação do crime de nossas sociedades?

Fiorido: O maior e principal objetivo do Espiritismo é a renovação da Humanidade pela renovação de seus componentes, isto é, dos habitantes da Terra. Os Espíritos nos dizem que a Terra é, ao mesmo tempo, um hospital, um terreno malsão e uma grande penitenciária. Enorme contingente de
Espíritos habitantes do planeta Terra se encontram passando por reencarnações expiatórias, vale dizer, estão na condição de aprisionados ao corpo físico. O planeta Terra será um mundo regenerado, onde não mais vai existir criminalidade e violência.

JEAS: Qual é o papel da família na educação do Espírito Eterno, para que ele não opte pelo caminho do crime?

Fiorido: A evangelização da criança – que será o jovem do futuro e, depois, o governante, o político, o empresário ou o funcionário público – é a grande tarefa que nos desafia. Essa tarefa cabe, em princípio, à família que deverá levar as crianças a cultivar os valores imperecíveis da alma, o que resultará na formação da pessoa de bem e, como efeito lógico e inevitável, no estabelecimento de uma sociedade justa, solidária e fraterna.

JEAS: O que Allan Kardec fala sobre a importância da educação para o Espírito Eterno?

Fiorido: O Codificador, ao comentar a questão de nº 685-a, de O Livro dos Espíritos, nos orienta: “[…] Há um elemento que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de
simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos
que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.”

JEAS: Como é a aceitação dos esclarecimentos do Espiritismo dentro dos presídios?

Fiorido: Dentro da cadeia, centenas de vezes, ouvi pessoas agradecendo pela libertação que a mensagem espírita lhes proporcionou, pois, até então, antes de conhecerem o Espiritismo, acreditavam que
estavam condenados ao “inferno”, sem qualquer possibilidade de perdão ou de remissão, vendo essas pessoas no Espiritismo um elemento poderoso que lhes renovou as esperanças e, assim, libertou suas consciências. Encontro nas ruas, nos centros espíritas e em atendimentos diversos, dezenas deles,
que conheci, nos muitos anos de visitas às penitenciárias – que estão trabalhando e frequentando casas espíritas, ou mesmo grupos evangélicos. O que importa é que deixaram as sendas do crime.

JEAS: Como o Estado tem enfrentado o problema da criminalidade?

Fiorido: Infelizmente, o enfrentamento da questão da violência, por parte do Estado brasileiro, tem como ações principais a repressão e a prisão de pessoas, resultado de uma cultura distorcida, que leva à crença de que o recrudescimento da punição, pelo aumento das penas privativas de liberdade, por si só, resolverá o problema da criminalidade e da violência.

JEAS: Quando e como começou o trabalho de visitas aos presídios no Estado do Espírito Sant?

Fiorido: Nossa atividade de visita à pessoa em condição de privação da liberdade começou em 2005, depois dos preparativos necessários, e que foram realizados no ano anterior, dentre os quais a busca de conhecimentos sobre essa atividade, que é muito peculiar e delicada, não comportando
qualquer conduta temerária ou aventureira por parte dos que se propõem a esse tipo de trabalho. Minha formação profissional – policial militar – me dava a coragem para trabalhar nessa atividade, embora as advertências feitas por alguns companheiros quanto aos riscos que correria, já que atuei
muitos anos na rua, como policial. Antes mesmo de iniciar essa atividade, para mim, era um incômodo o fato de ter que prender alguém duas, três, quatro vezes ou mais… A pergunta era: “se a cadeia é um inferno – como eu achava que era –, por que alguém volta para o “inferno” seguidas vezes?
Quando me encontrava atormentado por essas indagações, coincidiu que fui convidado pela Federação Espírita do Estado do Espírito Santo a analisar as possibilidades de implantar a assistência espírita ao preso.

JEAS: Qual foi o passo a passo do início do trabalho de visitas aos presídios?

Fiorido: Iniciei um projeto, com vistas a captar material doutrinário para sustentar o trabalho; em seguida, elaborei um plano de sensibilização de trabalhadores, a fim de arregimentá-los, o que, no início, acabou sendo infrutífero. Não me dei por vencido e fiz as três primeiras visitas sozinho, quando apareceu, um mês depois, um voluntário, também militar, companheiro este que me acompanha até hoje. A partir da ideia do Ide, dois a dois, ano a ano, fomos criando grupos e, hoje, 18 anos depois, temos 18 frentes de trabalho, que visitam unidades prisionais da capital e do interior do Espírito Santo, levando o consolo e o esclarecimento espíritas.


JEAS: Além dos espíritas, há outros seguimentos religiosos que participam da atividade das visitas?


Fiorido: Faço parte de um grupo gestor, junto à Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo, composto de três pastores, um padre católico, um espírita e dois técnicos, grupo que é responsável pela atividade de assistência religiosa no sistema prisional capixaba.
Esse modelo está em estudo, em fase final, no Ministério de Direitos Humanos e no Ministério da Justiça, e, atualmente, estamos assessorando os dois Ministérios, no sentido de propor, aos Estados da Federação, um modelo similar, o que resultou na realização de diversas reuniões para tratarmos do assunto.

JEAS: Poderia falar sobre algum reeducando que se regenerou, ou se arrependeu e mudou de vida, em decorrência do trabalho do grupo?

Fiorido: Tenho muitos casos. Já defendi a pena de morte! Hoje luto contra essa infeliz ideia. Aprendi que, embora morto o corpo, o Espírito continuará criminoso e revoltado, se não se arrepender e quiser se corrigir.
Não vamos ao presídio para “passar a mão na cabeça de criminosos”, como dizem alguns que questionam a eficácia desse trabalho. Tenho dezenas, e até centenas, de histórias para contar, de pessoas que estão em processo de ressocialização e recuperação moral, como, enfim, cada um de nós está,
aqui na Terra.

JEAS: Durante este tempo, de tarefas voluntárias nos presídios, foi produzido algum material escrito como diretriz do trabalho?

Fiorido: Sim. Iniciada no ano de 2012, produzimos uma cartilha orientadora da atividade com presos, no Estado do Espírito Santo e, como resultou num bom trabalho, essa cartilha serviu de modelo e base para que a Federação Espírita Brasileira constituísse uma comissão nacional que, por sua vez, produziu as Orientações para a assistência espírita ao sistema penal e socioeducativo, material que já foi aprovado pelo Conselho Federativo Nacional e está disponível em PDF: (clique aqui para baixar)

JEAS: Qual é o lema do grupo de visitas aos presídios?

Fiorido: Não trabalhamos com conversões. Nossa proposta é bem simples: “pare de fazer o mal!” e, a seguir, “aprenda a fazer o bem!” Depois, quando ganhar a liberdade: “liberte sua mente” para se tornar uma pessoa de bem, que poderá morar ao lado de minha casa ou da casa de qualquer
outra pessoa.

JEAS: Que palavras de incentivo gostaria de deixar para os espíritas?

Fiorido: Há muito o que ser feito ainda, no combate à discriminação, ao preconceito e à indiferença. O Espiritismo, por meio de suas lideranças, deve caminhar à frente nessa tarefa! E os espíritas precisam “sair da bolha” e se colocarem ao lado do povo, perto dos caídos, das pessoas em situação de rua, dos dependentes químicos, dos doentes e dos presidiários, pois, foi isso o que nos ensinou Jesus, com o próprio exemplo, de acordo com o que se encontra ricamente narrado no seu Evangelho de amor à Humanidade.

Quer saber mais sobre o assunto?

Em breve, a Editora Auta de Souza lança o livro A obsessão e o crime à luz do Espiritismo, fruto das experiências adquiridas pelo autor que, na condição de espírita e tendo atuado durante anos na advocacia criminal, na defesa de diversas pessoas que praticaram crimes, vem apresentar casos palpitantes, alguns por ele acompanhados, e que deixarão o leitor emocionado ao reconhecer que, por trás de todo aquele que comete um crime, existe um ser humano, com seus desejos e frustrações, anseios e aflições, virtudes e defeitos, mas que, acima de tudo, existe um Espírito Eterno, criado por Deus e destinado à perfeição, que expressa a bondade no grau mais elevado e a pura e eterna felicidade decorrente dessa condição!

Durante a Concafras/PSE, em Paracatu (MG), no dia das Práticas (12/fev/2024), um grupo de caravaneiros visitou a APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) de Paracatu.

Veja algumas fotos da visita aqui na matéria.

APAC é uma entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e à reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade.

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